Após abrir caixão em velório, família descobre que idosa com Covid está viva

Belém registrou mais um retrato do colapso do sistema funerário que a capital atravessa em meio à pandemia: durante velório realizado na noite da última  sexta-feira (1º), uma família abriu o caixão da avó, que teria morrido de Covid-19, e percebeu que o corpo era de outra pessoa. Apesar da emissão da certidão de óbito, Maria da Conceição Oliveira, de 68 anos, está viva e foi encontrada, após insistência da família, em um leito do Hospital Abelardo Santos, na capital, e trata dos sintomas do novo coronavírus.

Segundo a família, a idosa apresentou melhoras na noite de segunda e tomografias mostraram avanço na recuperação dos pulmões - "ela até já deu uma caminhada, com ajuda, dentro do quarto mesmo", disse o neto Bruno Oliveira.

O erro, segundo admite a Secretaria de Saúde do Pará (Sespa), é consequência da falta de estrutura diante do aumento de doentes e de mortos.

O número de mortes por Covid-19 no Pará aumentou 222% em uma semana, e saltou de 95, no dia 25 de abril, para mais de 300 no sábado (2). O crescimento é muito superior à média nacional de 68% registrada no mesmo período, conforme dados do Ministério da Saúde. O Pará registrou em abril um aumento de 116% de remoção de mortos por doenças ou causas naturais, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (Sespa).

Em Belém, onde já há colapso no sistema de saúde e funerário, segundo a gestão municipal, a prefeitura já começou a realizar enterros em cemitério particular - medida que deixou moradores preocupados com a possível contaminação de poços artesianos na área do Tapanã.

A demora na remoção de corpos é um drama vivido por famílias que perdem parentes por outras doenças, além da Covid-19, na região metropolitana de Belém. Algumas relatam que o corpo do ente querido chegou a ficar até 20 horas em casa, à espera de ser removido. Um caminhão frigorífico foi posicionado pela Sespa no Instituto Médico Legal (IML) para dar suporte no armazenamento de corpos com a Covid-19. A medida, segundo a Sespa, é uma estratégia para minimizar os impactos e o crescimento da demanda para os profissionais. Segundo a Sespa, a pandemia mudou a rotina do serviço de verificação de óbitos, que teve também reforço de duas viaturas novas para a remoção de corpos na região metropolitana de Belém.

Indignação
Maria da Conceição Oliveira, de 68 anos, testou positivo para a Covid e precisou ser internada no Hospital Abelardo Santos, em Belém, no último dia 30 de abril. Depois que deu entrada na unidade, a família não teve mais notícias e no dia seguinte (1º) recebeu a certidão de óbito da idosa. Uma funerária contratada levou o corpo para a casa da família e, já no velório, os parentes de Conceição descobriram que se tratava do corpo de outra mulher.

“A funerária avisou para que não abrisse o caixão, por causa da pandemia. Então os filhos dela perguntaram como ela estava e disseram: ‘bata vermelha, cabelos brancos’. Só que dona Conceição não tem os cabelos brancos e nós não mandamos nenhuma bata vermelha. Foi que o neto dela teve coragem pra abrir o caixão e foi um susto terrível, era uma senhora morena, com tubo na boca”, relata Tallya Fernandes, parente de Conceição.

As cenas da família indignada logo após que percebeu o erro foram registradas via celular. Nas imagens, os parentes exigem explicações do funcionário da funerária. “Eles têm que sentir a dor da gente. Isso é um absurdo”.

A família resolveu voltar para o Hospital Abelardo Santos, de atendimento exclusivo a casos de Covid-19, atrás de notícias.

“Depois que o paciente entra lá, a gente fica sem notícias. Eles não deixam entrar e nem saber de nada. Fizemos um escândalo na frente e entrou o neto dela. Ele teve que ver mais de 30 cadáveres, um por um, correu risco, e não encontrou a avó. Todo mundo dizendo que ela estava morta”, diz Tallya.

Segundo os parentes de Conceição, uma enfermeira se solidarizou e resolveu ajudar. A enfermeira foi até o leito onde Conceição estava internada e fez uma chamada de vídeo. “Ela estava lá, dizendo que estava viva! Foi uma alegria e uma certa indignação pelo que aconteceu”, afirma Tallya.

“A gente não sabe o que aconteceu com a senhora que estava dentro do caixão. Domingo (3) a gente chegou lá e disseram que Conceição estava com quadro grave, mas a gente não sabe a situação que ela estava. Atenderam a gente bem, até o diretor que assinou o óbito apareceu, foi uma situação muito constrangedora", diz.

"A gente acha que se a gente enterra outra pessoa, dona Conceição podia morrer lá dentro e ser internada como indigente”, afirma ainda.

A família informou que registrou um boletim de ocorrência contra o hospital pelo erro.

Sobrecarga
Em nota, a Secretaria de Saúde do Pará (Sespa) informou que confirma o erro. Segundo a Sespa, há uma sobrecarga do sistema funerário durante a pandemia. O serviço de Verificação de Óbito (SVO) atendeu na última sexta-feira (1º) 35 casos, destes cerca de 50% foram por síndrome respiratória aguda grave (SRAG), o que é cerca de 20 vezes mais do que o normal.

Segundo o governo, “com a abertura do Hospital para pronto-socorro, os procedimentos e rotinas foram totalmente alterados. Os problemas estão sendo identificados, dentro do possível, corrigidos. Estamos lutando para dar dignidade às famílias neste momento de dor”, diz a nota.

A Sespa informa ainda que a partir desta segunda-feira (4) serão providenciadas assistentes sociais para os atendimentos e a partir de quarta-feira (6), o Hospital Abelardo Santos divulgará dois boletins diários, oferecendo também o serviço de visitas por meio de telechamadas.


Após abrir caixão em velório, família descobre que idosa com Covid está viva Após abrir caixão em velório, família descobre que idosa com Covid está viva Reviewed by www.oblogdepianco.com.br on maio 07, 2020 Rating: 5

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